1 de dezembro de 2010

SECA



É bem verdade que olhava, via o fundo do poço, e pensava: "porque ele não está ali?". Queria morar no seu sorriso, mas não sabia como, se agora todo seu sorriso parecia propaganda pra creme dental. Quem era ele? Teria mesmo feito tudo aquilo só para depois se sentir vingado da existência feminina? A idéia bovarysta era a coisa mais sã que lhe passava. Tinha nos olhos a cor do céu nublado, aquela de quem diz que não vai suportar guardar a tempestade que lhe aguarda branda acima de si. Mas sua tempestade não esprava branda, era fogo, era impulso, era cólera e viria pelo caminho do erro - e pensar que ela acreditou ser do sol. Perdoar? Esquecer? Entender? Desculpar? Nessas horas dá mesmo vontade de morar junto, só pra poder jogar tudo pela janela e ficar com a casa, que fora comprada a dois, só para si, como forma de apaziguar a ausência de vingança desejada. E aí dá pra entender porque se proíbe os filhos, os finais de semana com o cachorro, a hostilidade: só de longe parece errado. Quanto tempo levou? Um minuto ou 10 meses. Quem vai saber o que a gente sabe e finge que não vê? Ela tinha o pavio tão curto quantos os cabelos, e isso ninguém negava. Mas lhe era flor quando ele lhe era chuva. Chuva. Era isso, chovia; e ela parecia papel se desmanchando; parecendo gota, se agarrando em cada atrito da janela de vidro por onde alguém olhava esperando a felicidade, só para não ter que chegar até o fim e virar rio; jorrando pra longe, através de um fluxo que ainda desconhecia. Pois, parando pra pensar bem direitinho, e da maneira mais pessimista possível, era essa toda sua vida: um rio sem fluxo. E ás vezes, sem água.


(Ele corria em suas terras áridas determinando todos os pontos de chegada e marcando cada folha para cada primavera daquela terra. Era ele que com toda certeza sabia cada pedra onde pisar; e cada pedra a mais tirada, ele sabia. Naquela terra ele fazia o que bem queria. Se alimentava de sua carne, e bebia da água de seu rio. Mas ele não se preocupava com a escassez de carne, nem com a seca de água. Era um nômade: quando nada mais tinha a explorar, ele partia. E ela ficava ali, doendo, olhando-se partida; e toda água que tinha, era miragem.)
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