22 de abril de 2009

PARA UM DIA


(sobre ela)

Caros amigos, parentes, ou colegas apenas. Deixo-lhes, primeiramente, minhas mais sinceras desculpas pelo egoísmo que acomete-me na decisão de tal ato. Entretanto, pulemos inutilezas (que de nada adiantarão às vossas raivas e frustrações, ou inconformidades).
Digo-lhes, então. Deixo em terra o que em vida me serviu como a mais leal atividade de consolo - em entendimento - , e meu pior vício: minhas letras, as mais fiéis possíveis , distribuídas entre pensamentos desvirtuosos, memórias lúgubres vividas (algumas) por mim, outras somente por meu alter-ego (este velho safado). Poemas a La Bandeira, minhas revoltas por injustiças, e minhas – muitas vezes – injustas verdades. Minhas incertezas deixo nos escritos marginais talvez (junto com minha vergonhosa fraqueza em nada ter conseguido fazer para mudar minhas rebeldias). Minha máscara de insensível deve estar por ali também, caída logo ao lado do romantismo escancarado de certos textos. Deixo, portanto, mais que um pedaço de mim, mas todos os meus eus. Digo-lhes ainda que não parti do mundo em que pareci ter compartilhado convosco, pois nunca me senti parte dele. Fui sempre uma forasteira lançada nesse terreno, mas que nada sabe sobre sua origem ou natureza. Nada havia mais que me segurasse aqui: aqueles de quem precisei da mais absoluta compreensão não conseguiram me decifrar, aqueles que me foram inesquecíveis, esqueceram a que vim. Alguns que receberam minha dedicação, não souberam percebê-la, tornando-a descartável. Outros, a quem de alguma maneira entreguei-me, de alguma maneira rejeitaram-me. Estes poucos que me restaram, que brandamente ousaram me entender nada podiam fazer para minha locação nesse estranho lugar. Talvez tive todas as coisas boas, em pessoas erradas. Uma leve incoerência que me fez querer saber de onde sou, pra poder me entender. Mas não posso mentir-lhes: fui feliz o tempo todo pelo simples fato de valorizar pequenas dosagens, essas pequenas coisas belas – momentos, palavras – que tive olhos para notá-las como instrumento da mais intensa felicidade. Um pôr-do-sol, um sorriso de longe, uma conversa construtiva. Mas meu problema é a ambição; eu quis saber do desconhecido. Também não nego que poderia ter ficado mais, lido mais Nietzsche, Rimbaud e Kafka. Ter feito teatro, cinema, surfe, psicologia e amor. Poderia ter vivido mais para ter uma casa na beira do mar e morrer até os 80 anos de uma maneira que parecesse poética – isso incluiria jogar minhas cinzas no mar, através de um barquinho de madeira com lindos ramos florais. Poderia ter vivido mais pra rir da minha certeza de solidão depois de ter encontrado um eterno e leal companheiro. Poderia ter ficado mais, ter sido uma célebre embaixatriz, modelo ou jornalista. Mas não sou tão forte pra acreditar que eu me encontraria nessas maneiras práticas. Afinal, prático é o caminho dos óbvios. A vida é feita de escolhas, eu escolhi mudar a minha indo para o que muitos chamam de morte. Eu chamo de descoberta.

INTENTO


Piso em degraus
Na calçada do teu desejo
E vou te desejando
Sorte em saltos
Enquanto peço
Pelo teu encalço
No meu piso

(saber que sermos iguais
é o que nos afasta,
me conforta de alguma
estranha maneira)

FLORES


I
Teu vício virou tema
Da minha vida
E virou do avesso
Meu sistema
Meu silencio variou de forma
Pra virar abrigo
Abrigo de nós dois.

II
Analgésico é olhar teus disfarces
E entender minha fuga.
Deleite é lembrar,
tua voz
Dizendo meu nome,
Indagando: Por que?
Pedindo pra ficar,
Perguntando o que fazer
Depois do fim.
Alívio é saber
Que não foi erro meu
Que mesmo na seqüência
Pode haver um recomeço,
Que até o herói perde o rebolado.
Que não julgaste os meus atos
(mas com força repeliu-me)
Desesperador foi saber
Que poderíamos ter sido mais
Melhores que apenas o mínimo.

III
Que o sol que se abriu
Poderia ser refúgio
Para o que fomos nós;
Iluminando a ponte
Que uniu nossos extremos
Para encontrarmos o “nós”
Que subestimamos;
Guiado teus sinais
Para nos perdemos
Na lua falsa que inventaste
Pra nos perdermos mais,
Da melhor maneira
Que conhecemos,
Brilhado em nossos corações
Sedentos e confusos
Só para ofuscar o medo
No entanto,
Insistisse
E fomos menos

DE-CANTO


sou tanto
quanto
quiseste um dia
ter,
e tanto
menos
que tiveste
por eu
não mais
me ter
(ater)

TIDO


E em tanto contigo
Te ter
Contudo
Com tanto
Te querer
Contanto
Entretanto
Contando que tanto
Quanto me ater
No teu encanto
Tanto menos
Pelos meus aclamarás;
E que, tanto menos
Queira
Que não meçam as métricas
Meu querer
(se fitas inteiras
eternamente hão de tecer)
mais,
por sua vez,
rimas abalarão
o meu não-ter

POUCO


Veja como cá estou
Com minhas humildezas
Minhas miudades
Minhas fraquezas.
Minha ruindade
(nula vaidade)
É isso que faz desejar
(sem ter)
O emaranhado
Dos teus cadarços
Se enrolando com meu salto
Na poeira do meu chão
Junto com meus cacos
E minha falta
De compromissos inadiáveis.
Fico ali,
Então,
À sombra dos teus passos
No teu encalço;
Aos barulhos imaginários
Que fazem teus sapatos
No meu mundo
(que insisto em dizer
não ouvir)
presa ao eco da tua voz
nos meus pesadelos
(que te ver sem te tocar
já não merece outro nome)
Desejando teu semblante
Como louca
Tal qual
Outrora desejei
Ser tu
Um outro amante

ENSAIO


I
Não se lembra bem
do que estava a fazer,
mas logo depois ouviu.
“Euzébia! Leve a mala ao carro!”
Relutou,
cansada,
exausta,
exaurida de todas as composturas.
Mas antes de contemplar a ordem,
vislumbrou o desenho das nuvens
- um rabisco qualquer
que a ela encheu os olhos;
não, não seria justo
simplesmente voltar ao quarto.
Precisava ficar,
precisava sentir
o fim do dia;
constatar sã
a claridade de todos os tons
salmão-azul-sombrio;
testemunhar o atraso,
e cortar as unhas.

II
Sentou-se na lajota empertigada
da já velha casa.
Olhou para o já conhecido céu.
Pensou.
Pensou nas mais absurdas coisas
que pode alguém supor.
Tantas coisas a dizer que tinha,
e calou – pensava.
Tantas promessas que tinha a cumprir,
e fracassou.
Tanta coisa que tinha pra viver e...
morreu.
Euzébia,
bem ali,
na lajota da já velha casa,
no auge da juventude,
sob os domínios
do já conhecido céu.

III
Morta.
Puseram-lhe, então,
na lápide marmórica
daquele dia 19 primaveril:
“Euzébia,
a menina feita de vento,
que com ele se foi.
A menina de gente,
céu,
cor,
dentre outros sentimentos.
No fim
- disse a mãe ao pai –
ela até levou a mala no carro.”.
Euzébia.
Morta.

IV
Euzébia,
que de lembranças
(coisas que existiram ou não)
vivia
(e viveria)
nas lembranças.
Euzébia. Morta.
Euzébia
que o fim do dia levou,
que amava todos os sóis
toda noite
e tinha essa coisa de ser livre.
Morta.
Euzébia dos amores
e outras dúbias coisas;
amando a praia,
tal como coisas vazias.
Morta.
Aquela mesma,
que das matizes gostava,
que fantasias guardava;
Euzébia dos sonhos que tinha.
Viva em sua própria passárgada:
morta na passárgada
que muito sonhava,
mas sobre a qual ela nada sabia.

23 de janeiro


Das curvas tortas eu fiz meu caminho. E me perdi do nosso. Nunca fui a boa moça que por aí se vê, mas tentei ser a melhor por você. Era 23 de janeiro, e eu procurava alguma explicação pro que deixou de acontecer.

GUME


Eu já não quero enigmas,
Não preciso de enganos
Mas de certezas,
Provas,
Planos,
Afeto.
Soluções já não resolvem
Meus problemas,
E meus problemas
Já não têm definição,
Me diz porque tudo
Que faço é em vão,
E o que deixo de fazer
Me traz sempre
À mesma contramão
Me diz o que pensar
Se tudo que penso
Perde a razão
(que se perdeu também)
Foram junto com minha raiva
E com todos os outros olhares
Me diz o que dizer
Se tudo que digo
Tem ultrasentido
E ainda assim,
Parece esconder
Me diz o que digo
Se tudo que falo
Não atinge você
Conte-me o nome do jogo
Se quando jogo
Viro alguém que não sou
Mas não imponha regras.
Não sei segui-las
Não quero.
Fala pra mim
Quando posso fechar os olhos
Se sempre que fecho
Me perco sem rumo
Me diz onde deitar
Se onde deito
Só há espinhos e dor
Me diz o que amo
Se tudo que amo
Não conhece o amor

INSÓLITA


O meu presente
É só um copo
E algumas ilusões
Com o veneno do passado
Embriago meu futuro,
Entorno,
Deformo,
Entorto
Alcolizo minh’alma
Vê que pobre gente
Aqui se encontra
Jaz algumas saudades,
Alguns amores,
Certas vontades.
Dentro do copo
Algum casal
Um beijo qualquer
Desfigurado pelas
Gotas de suor,
Secas,
Secas de amor
São só seus fantasmas,
Poeiras da dor,
Só.

DESAMADA


I
Ei, projeto!
Nas butiques
De Mafra;
Nas escolas decrépitas,
Nas fofocas
Em revista
É que procuras teu futuro?
Se o presente já não honra
O seu nome
E a previsão é um futuro
Alienante
Se o Brasil suicidou
Sua memória
(da garra rio grandense
às batalhas do nordeste)
então são a janela da
discórdia
e da miséria pela
qual se atirou).
Momentos se escondem
Nas estantes
Onde há livros
Sem alma
Que ninguém vai ler
Singelos, desaguam
Nas bacias do gigante
Sinuosas somorras
Não mais;
Escondem tão brilhantes
Plumas do ridículo
De uma pátria
Sem patriotas

II
Suéteres chilenos,
Príncipes prometidos
Pro nada.
Injustiças escorrem
Nos armários,
Passando por cubanos
Charutos do magnata gentil
O nasco polui valos do passado
Enquanto os mundos obscuros
Das telinhas de tevê
Brincam de fantoches,
Encobrem as verdades,
Jogam com a arte.
Esquecem o sinal.
Angustiados, tais como
Percorrem as formigas
Nas trancas hostis
Das ancas vastas
Dos seios da pátria
Fatídicos como
O que perscruta
Na retina dos olhos
Turvados diante
De tal descarado ataque.
Singelos, abruptos,
Desaguam nas bacias do gigante.
E as células,
Das células
Que descansam
Sem pudor
Na falsidade
Manuseiam sem receio
Todas as verdades
Desfechando
Num final
Verde e amarelo
Simplesmente.

ESPÉCTRICO


Em delírio
Consumo cores
Sinto sabores
Vejo
Onde nunca houve
Banais amores
Enfeito dores
Com plumas
E paetês
Fugazes,
Amargos
Sentimentos gentis
Gentilezas
Já não quero,
já mais,
não.

LINHAS DESCONEXAS


Não ha melhor
Que o não ser,
Que as verdades
Do barulho
Dissonante que ainda
Recuam e choram
Por ilusões perdidas,
Vastas
Das pobres putas,
Pobres
Dos descamisados
Das meias velhas
Dos velhos
Burgueses
Do tédio
E da vontade de ser tudo
E tudo muda
E muda o mundo
E fode o fundo
Mira o raso
Encobre o furo
Reza o bispo
(reles chulo)
cágado nulo
que acaba verde
num papel antigo
nesses de carta
de uma mal
e certa escrita carta
não mandada,
pra gaveta singelamente
enviada.
Para o raio que o parta,
Para a porta do mundano;
Invadiam tristes feliseus,
Os egípcios
Aos infernos.
Os infernos pro céu.
Precariamente desenhados
No céu profano,
Tecidos de mel e dor.
Origem de todo fel

Prosas em versos,
Versos vazios,
Antigos, inócuos
Nada melhor de ferir
Que desmirar do olhar
Que finca o férreo venenar
Tudo,
Todo,
Tolo.
(raso ou fundo)
olhar.

LIXO

(brincando com fogo)


Homem, não tens mulher,
Nas tuas perguntas me perco,
Nos perco,
Nos perca.
Sou fraca
e nego,
Nas minhas respostas,
Parca,
Nas suas
Me encontro
Então...
Tenho
Tanto
Erro.
Chega!
Se quer, terá.
Vais ver
Se quer
Nem diz
Sequer
Mas diz
Me diz:
O quê?
Mais que meu mais puro
E inebriante amor?
Sexo e só.
E se só o for,
Padeço e sumo.

BOTÕES



E jogo,
Eu nego.
branco.
negro
meço o alvo
O preto
Miro.
Ou não.
Não meço
Na rima o desperdício
Do não,
O tamanho do risco
Que falo,
Que corro
(que faço?)
das letras que
traço,
trago,
troço
,
trego, treco,
treco
um trago (ou mais)
do bom uísque
peço
(peça de mim)
Escondo que finjo,
E calo.
Cansando no fim,
Encantado pranto que choro
Que canto
Que calo
De canto
Embalo
E os botões
Da camisa
Recoloco
Como que costurando
Meu amor no calabouço.
Da dança
Descando
Do nada
revogo.
Do canto
decanto.
E clamo.
efim.

NEFÁRIO


Não resta
Àquela pobr’alma
Um nasco do nada
Sequer
Senão a própria fúria
(amarga companhia)
Só sorri
Aos sorrisos
Das lembranças
Só caminha sobre
Os cacos da saudade.
Sempre escassos e gentis
Que um dia lhe já pertenceram.
E tanto faz
Ambos utópicos
Em sua triste realeza.
Não há tempo suave
Quando simplesmente
Não há com quem haver,
Não há mais nada a ver
Pois os dias
Só amarelam nas estantes
Não alegram,
Não fazem entrister.
Velhos, já frios
Em sua frieza,
Opacos em sua dor,
De tanto
Escondidos sentimentos.
Não há ruidez
Que acalente
O não ter
E não há nada,
Então.

DORES DO TROUXA


Leva com você
Algum sorriso meu,
Aquele que você gostar mais,
E deixe cá comigo
Sua falsa integridade
Leva uma pena longa
De solidão,
O longo sentimento
De ilusão que
Em mim deixaste,
Para escreveres
Nas paredes da saudade
Todo teu arrependimento,
Suas palavras em vão.
Me deixe aquí,
Poeta gago.
Com meu sorriso vago,
Meu riso largo
De outrora.
Me deixa com parcas
Lágrimas e poucas dores.
Venda o teto cinza da
Tu alma.
Agradeço a gorjeta
De agora amigo,
Mas digo,
dispenso
não preciso
Da tua moeda de mendigo,
Tampouco quero
Teus serviços chulos,
Mal contados.
Mal poeta.
Mal amado.
(ainda um dia,
anseio
amargo.
)

LINGUARDENTE


Que língua é essa
que se torce
e se distorce
tanto e sempre
como nunca
nessa boca
em carnardente?
E se dissolve
nos papéis e nos amores
inconstantes
todinstante?
Que toda se desdobra
e se empicaça.
Me diz,
que língua é essa,
quente.
Que com
ou sem palavra,
com ou sem
amor
não há outra que guente
ser devagar
e covardemente devorada
e fisgada eternamente
(como conceito de camões)
sem implorar por resposta
ou resgate urgente
por outros lábios,
evidente;
Não,
Não há amores
que evitem
Se o são e mesmas dores
Verdade,
Todo entrelaçar é deleite,
Sem tal qual não há paixão
Ou humanidade.
O que é da boca, afinal,
Senão guardiã de balas
E de cores.
Dos dentes,
da língua,
e dos amores?
Sem a língua
não há
gente
Não há grito
ou choro de contente,
Sem tal qual
o desvario das bocas
Torna a vida
um fado ultrajante

DENTES


I
Encanto com teu canto
A aspereza dos teus dentes
(os quais nunca tive
coragem de sentir)
E só se sei ouvir
O encalço do barulho teu
Incomodando as sandálias
Em que calço tais brutais
Descalços pés cansados,
Silêncios do amor.
Já nem me importo,
Cacos antigos,
Louças esquecidas
nossas incertezas
...
Mas você me enlaça
me torce
me puxa
Inventa a lua
Você me suga
me enxota, me cega
me surda, me seca.
Se existe uma culpa
ela é toda sua

II
Encanto com teu canto
A aspereza dos teus dentes
(os quais nunca tive
coragem de sentir)
Defronto-me com
Minha podre covardia
No vão de meus
Escassos caminhos
E deparo-me
Com o impossível
E não sei dizer não,
Digo jamais.
Sei apenas do encalço,
O barulho teu fazendo
Festa nas sandálias
Que calço e rogo
- tais brutais, pesados
(de amor)
E ando aos sobressaltos,
Sem nivelar importância
Aos cacos antigos
E aos novos
Que virão com o descuido,
Normal o ruído.
E nem sinto
Felicidade ou dor.
Porque você me expulsa
me volta, me chuta, me escapa,
na ida, na vinda,
Se existe uma culpa
ela é toda sua

III
Mas é por não existir
Um outro
Pois desses assim
Só há um,
Eterno e verdadeiro
Que não canto
Meu encanto
E acalento
O desencanto
Do seu (meu)
Doce dissabor
D’antes.
Porque você me implora,
me chama, me chora, me invoca,
Se existe uma culpa,
ela é toda sua.

INÓQUO

Não consigui evitar aquele
no qual me dominas,
Mas não evito também os teus
que perseguem os meus
Com tamanha covardia

Não consigui resistir
Aos turvares d’outro céu,
- além daqueles em que me devoras -
De outras tantas (muitas) bocas.
E quando eu acordei
teu sonho já não me pertencia

NÃO MAIS


Resguardava velhos semblantes de ironia a lhe tornar hostis os olhos e arrogantes os guisos. Mas não desfalecia sua já nobre indiferença. Somados à uma certa precaução desmedida, tinha em si as mesquinhas alcabrunhas que lhe restaram.

HOMÉRICAS BALBÚRDIAS


Continuou fitando o mar – enquanto o fazia esperar. Angustiado ele ansiava sequer um murmúrio de resposta oblíqua. Ela olhou-o com impetuosidade. Ele, paralisado, procurando o nada em seu rosto. De súbito, beijou-o. Ele olhou com severidade e desamparo, confuso confesso. Ela simplesmente devolveu os olhos ao mar. Devorou-lhe as energias para conseguir aquilo. Devorou-lhe as energias, sem que ele pudesse questionar o que fosse. Ela revogou-lhe o olhar, dizendo-lhe ferreamente – “se isso nada lhe responder, palavra alguma lhe será útil nessa vil finalidade”. Ali mantiveram-se, empertigados em suas intrigas íntimas demais.

ROMEU PERDIDO


- E se você estiver na minha imaginação?
- Não! Por que fazes isso comigo?
- Tantas respostas, mas nenhuma posso oferecer-te se não compreendo a objetividade da pergunta. Um erro muda tudo.
- Por que me provocas, se sabes que nada posso fazer?
- Eu não sei. Você pode. E não quer. Você me quer. E nega.
- Sim, você sabe. Não posso sonhar-te no meu encano se quando chega a realidade, é outra que te tem.
- Você quis.
- Eu precisei. Porque eu enlouqueceria se me entregasse e te perdesse.
- Você não quis.
- Você não insistiu. Desistiu.
- Eu precisei. Porque eu enlouqueceria se eu tentasse, e continuasse sem te ter.

(...)

- Por que você é tão duro consigo mesmo?
- A vida me mostrou que o melhor é ser assim.
- Não culpe os acontecimentos. Todos sofrem, cada um escolhe que sucos preparar com seus limões. Precisavas optar o pior?
- Não o acho.
- Egoísta.
- Maniqueísta.
- Maniqueísta?
- Egoísta? De tudo faço pra ninguém ferir
- No entanto, fere por medo de ferir. E o pior, é o pior pra mim.
- Sentimento vale mais do que pensas.

(...)

- Hoje não tens vinte perguntas?
- Te incomodam minhas perguntas?
- Não tanto quanto tuas reações
- Reajo assim tão mal?
- Não. Eis o problema, levas tudo com tanta frieza. Não é natural.
- E quem é?
- Fico me perguntando o que realmente pensas.
- Sempre digo o que estou pensando
- Você edita! – acusou ele.
- Não muito.
- O bastante pra me enlouquecer


(...)


- Nunca pensaste em me amar?
- Horror!
- E em me querer?
- Parece que brincas comigo.
- É tão absurdo assim?
- Não. É óbvio demais.
- Então chega a esse ponto teu negar?
- Chega a esse ponto meu querer.
- Então me beija.
- Horror!
- Me deseja ao menos!
- Eu faço!
- Prove.
- Não!
- Negue!
- Não!
- Não de não negar-me, ou não de já estar-me negando?
- Não de tudo, saia daqui.
- Por que não dizes?
- Por que não calas?
- Não se responde uma pergunta com outra.
- Não se responde outra coisa a uma dama.
- Não se foge.
- Não fujo!
- Mas se esconde.
- Só evito.
-Por que?
- Por querer.
- Como?!
- Quanto mais quero, mais evito. Não é assim contigo também?
- Não, não é.
- Então por que não dizes?
- Eu digo!
- Do teu desejo.
- E o que mais?
- Quero do teu amor.
- E meu amor precisa ser dito?
- E meu querer, preciso revelar?
- Complicada!
-Hipócrita.
-Hipócrita, eu?
- Sim! Nega muito mais e cala.
- Eu quis!
- Então por que não fez?
- Você não permitiu.
- Você não permitiu quando deu-se a outra mulher.
- Dei-me por não te ter.
- Deu-se por não me merecer.
- Como?
- Se de verdade me quisesse ter, tentaria, lutaria, insistiria até...até o ultimo suspiro.
- Para quê até o último suspiro, se a agulha da sua indiferente frieza furava os meus sonhos e abria meus olhos a um outro alguém?!
- Se me amasse, não veria outro alguém.
- Via como se fosse ninguém.
- No entanto, viu. É o que importa e basta.
- Só um beijo.
- Estais comprometido agora.
- Só um beijo.
- Cafajeste.
- Um e sumo.
- Não quero.
- Não pensas como será meu beijo?
- Não quero que sumas, tolo!
- Não queres? Então não entendo!
- Não entendes? Então não me queres!
- Como podes ter tantas conceituações inexatas?
- Não são.
- Por que não te entendo, não te quero?
- E não me mereces.
- Por que não te entendo não te quero, nem te mereço? De onde tiras essas sandices?
- Estais me ofendendo!
- Estou te constatando! Só podes ser louca! Que direito tens de dizer o que quero ou não; De questionar meus sentimentos?
- Que direitos tens de me avaliar e tentar-me como o demônio?!
- Agora me xingas de demônio, e o que mais? Vou-me embora.
- Vai! Covarde!
- Continue, vamos, continue a me maltratar, é o que melhor fazes.
- Me chamas de louca e esperas o quê?
- Te chamo de louca por que negas, e finges que nada sentes e nada sabes.
- E acaso sei de algo?
- Mas sentes!
- E como sabes?
- Suponho. Erro?
- Não sei.
- E agora, quem foge?! Diz!
- Não digo, porque foges tanto quanto eu. A diferença é que fugiste de covarde, eu fujo de sensata.
- Onde está a sensatez de negar quem se quer?
- Onde está a coragem de desistir de quem se deseja?
- Não desisti e já disse!
- Nem tudo o que dizes é verdade.
- Demônio, covarde, mentiroso...Qual vai ser o próximo?
- Atrevido.
- Sou?
- Muito.
- E se eu fosse mais?
- Experimente.

POR FIM


Te invadi
Te habitei
De sacana que fui
Te assombrei
Te imaginei
Na minha cama
Te atirei
E da mesma te tirei
Por algum tempo incomodei-me
Com os monstros do amor
E voltei.
Foi só paixão
Te procurei nos meus sonhos
Te visitei.
Olhei nas casas,
Nos bares,
Nos prédios em construção te fitei
Tudo em vão
Quis crer em ilusão.

Enlouqueci

SUA


E de repente é que me vejo enclausurada nos teus olhos, presa aos teus jogos. Presa sua. Eu. Só eu poderia saber. O que chorei, o que sorri. Mas já nem sei; se não vivi, se não morri - em ti. Só amor de verso te pedi, e se uma vez já foi assim peço desculpas. Mas preciso te ganhar pra ver ganha novamente. Os teus braços que já foram meus, e já a mim mantiveram. Devolva-os por favor só pra que possa eu negar-te ser amante.

BRASIL DESCOLA


Brasil cala
Brasil cola
Brasil coca
Brasil droga
Brasil cola
Brasil livros
(falta)
Brasil descola
Droga
Não (d)escola
Livro
Cala
Sem escola
Droga
Sem escola
Cola
Descola
Sem escala
Não de cola
(descole
escola)
sem calar
não dê coca
Brasil cola
Coca
Cola
Sem escola
Não decola
Brasil cruz
Descruza as pernas
E faz
Desfaz a merda
Muda a cruz
Troca a sina
Ensina
Em cima
Do muro sai
De cima cima
Do muro
Pula
Muda a sina
Se não cai.
Crucifica
Mas fica
Ali
Pregado na cruz
Fica
Reclama com o
Mundo
Mas fica
Parado na dor
E gosta
Volta
Revolta
Não clama
E reclama
Reage
Revoluciona
Funciona
Brasil
Mudo
Se não
Não
Funciona
Na muda
Procura
A raiz e
Muda.
A muda.
Se descruza da rima
Foge da cruz e age
Fode com a rima
E muda.
Reage ao tapa na cara
À cara pregada
Tapa na cara
A vergonha
Se regala à vergonha
De ser brasileiro
Em vez de esconder e fugir
Se envergonha de não reagir
E muda
Cara
Conhece tuas origens
Que de européias não têm nada
Enfeita de pena teu cocar
Brasileiro
E com raça luta
Luta pela tua raça.

PARA OS MEUS


Emoldurei os lençóis sobre tuas nuances carnais - levemente doces- e acolhi aquela sensação delicadamente selvagem, mas fascinantemente triste de não pertencer. Como são poéticas as dores (e ingênuas nossas maldades). A vulgaridade elimina tudo que é especial: a felicidade, o amor, Os sentimentos num geral. Se amas, Ames baixinho; diria o poeta. Não é apenas a rude vergonha de admitir mas uma necessidade agressiva de preservar, cuidar. Tão bem cuidado, que apenas os selvagens saberão. (...) Ao mesmo tempo que revelo entre gestos, palavras, sorrisos, minha alegria; escondo minhas infelicidades e incertezas abaixo dos deuses. São essas pequenas coisas - que não exponho com desrespeito - que me vestem. Se sorrio, se tenho muitos amigos,
não é de imensa felicidade; mas nenhuma dor é digna de destaque: tudo pode ficar claro e trágico demais. A dor mais pura, é aquela que se quer esconder, mas que se revela num estouro de saturações. Numa explosão daquilo tudo que por muito tempo fora guardado e que já não podia mais suportar-se. Como os amores, que por serem tão puros e especiais merecem ser guardados tal como uma espada de Rei Artur.

TANTO


Os
M
Eus
São todos
Tanto, sempre
S
Eus

RALOS


Figuro sobre os
sujos
sujos ralos
sujos
negros
buracos
e obscuros
e nego
e nego e brinco
Brancos
não
mais.
Imito e fujo.
Imponho e quero,
E sob cujos
ralos ralos
falo
falho
não mais
nego.
E jogo
sujo.
Sujo
jogo
imundo,
emano e choro.
Escondo na sujeira
meu falo
e sob cujo
ralo
choro.
Em cujo ralo
jogo
o que escorro
e calo.
O que temo
e procuro.
O que choro,
e grito.
Meu barulho e meu
silêncio.
Invento, urro,
afirmo:
não
quero.

(Esses meus sentimentos
sentimentos sujos
de cujos ralos
escoam e voltam)

DOS QUE NEGAM


Alguns diziam que eram levemente perturbados, outros afirmavam serem loucos, enquanto alguns diagnosticavam felicidade. Mas a verdade é que usavam de suas loucuras anormais para fugirem do pior diagnóstico que poderiam permitir-se: o que tinham mesmo era tristeza. E isso, insanidade nenhuma poderia curar. Havia apenas um medicamento chamado Amor, mas vinha de uma raiz rara, que poucos sabiam cultivar. Alguns poucos conhecidos que tentaram, foram contaminados. Assim, iam se fechando as portas para os medicamentos que surgiam e se fechando para a cura. O número passou a aumentar, o problema transformou-se em não. Não comiam, não bebiam, não queriam sentir nada que não fosse alimentado por tristeza. E virou uma praga. Foi então que descobriram, e descobriram tarde: negaram por tanto tempo que corroeram os portões de suas almas e já nenhuma essências surtia efeito.
Então morreram. Sozinhos, porque preferiram morrer por falta, do que por amor demais.
E findaram apenas com sua própria e louca sombra de dor.

NEGO


E disse que não,
E negou o que quis
Sem dizer sobre amor
E falou com pudor
Pra poder
Algum dia quem sabe
Ficar a sonhar
Sem querer,
Sem poder
Sem poder se negar
Sem pudor
E por si se passou
E passou

Sem querer

Se jogou
E amou
Amou por amor
Amou

Por amar

Mas calou
E calou
Por demais
E calou por amar

MORDAZ


E ele ficou ali
Inerte, imune ao
Caos do mundo

E permanecia ali,
Frio e calmo,
Inerente e mórbido,
Distante de tudo

E se manteve ali,
Fingindo um cego,
Surdo, um sujo

E ali morreu,
Vazio,
Sozinho,
E mudo.

E não conseguiu mudar,
Teimoso, insone,
Insano e tenso.

Apodrecendo ali,
Sorrindo, trapilho,
Sublime e fraco
E certo
De tudo.

ENXANGUE


Depois dos vasos que em mim rego
E do ti que em nós rogo
E do fruto proibido
Que em ti busco
Depois da minha
Insônia das paixões
(a tua só, e de vida inteira
e verdadeira)
Depois de anos
Sob profundas
(profanas)
partituras
(viscerais que evoco)
depois de teus braços
e teu corpo todo em brasa
em mim
que nego
Depois do ti que
Peço,
Do ti que faço
E amo,
Imploro e durmo.

RELÍCARIO

Convoco minhas certezas e minhas cicatrizes novas ao infinito taciturno de nós dois (esse poço sujo); e apesar de eterno eu vogo para que permaneça oculto, inexistente aos menos sensíveis inevitável ao que me importa, invisível aos covardes, verdadeiro aos merecedores, inesquecível aos amargos (meus aprendizados), e amargo por si nas minhas doces lembranças.


(o que é o amor senão uma doce intriga da natureza?)

FUNDO


Felicidade mórbida
que me corrói
(não manda voltar)
Diz não dizer adeus
E digo.
Diz não dizer jamais
(imploro)
e afirmo.
Diz mais correr atrás
(e fujo)
Diz mais amar demais
(e nego)
Diz mais mudar um pouco
(e fico)
Diz mais fingir arrego
(enrijeço)
Diz mais dizer de menos
(mas digo)

ENGANO, ENGANAS


Qual o preço das tuas glórias?
quanto cobras por teu escárnio?
(ou tua dor)
Qual o preço da sardônia gentil que me dirige?
Quanto custa a gentileza
falsa
farsa dos infelizes
quanto cobras por untar-me
e a fogo e brasa
incendiar-me.
Quanto custa meu desejo

Ardil de selênios tristes?

Que vestidura imponho
Senão nossas velhas
Duras armaduras
Que sorriso trago senão aquele
Que me pedes

imponente e fraco

Que morte rogo senão aquela
Do teu lado?

COISAS QUE ESQUECEMOS




Juiz da própria vida, desejo do próprio ardor. Ela ia vivendo, sempre achando que aquilo era morte. Não mentiu, não negou, não calou. Frieza da própria dor ela ia deixando pra lá. Efêmera, confusa. Foi com o calor de um fantasma que viveu o que chamou amor. Passou outro romance, outra traição – dela para ela mesma. Ali, naquele quarto, quis findar com as cinzas todas d’um passado pérfido e de um eterno rancor. Amarga, pensou enlouquecer. Embriagou. Arrependeu se durante os dias que não passaram, e todo dia se arrependia de sempre se arrepender. E pensar que tudo começou com um romance fugaz que não terminou. Blasfêmica e doentiamente sonhou ter-se atirado pela janela, fugindo simplesmente desse jogo cinza de sedução. Mas não a ela, uma outra, uma que foi-se anos atrás. Tocou a face macia do mundano e a alma do amor. Tateou levemente as ancas do pudor miserável e se viu perdida na rua ladrilhal, reta, fria, concreta e áspera. Sofreu as faltas do famigerado condor: amarguras que rapinavam com cuidado suas falsas e secas lágrimas de dor. E cega, anoiteceu as verdades da vida. Ele, já surdo de arrependimento, aceitou. Ela, muda de mentiras, padeceu. Ricos de ilustres marcas culminavam seus próprios fins.

FLUIDO


Uma matéria orgânica, inorgânica às vezes. Amargurada, quase apodrecida. Uma coisa que sente saudade - feita de tristeza e arrependimentos necessários que nunca se esvaem. Uma coisa qualquer que se perde nos mistérios dos corações, já pousados n'um terror disfarçado de conformismo. Uma coragem inexistente escondendo uma aceitação inaceitável. Uma falta de hipocrisia de quem não sente baseada apenas na desculpa do que não foi. Explicações, infinitas, inacreditáveis, que se prolongam por intermináveis pensamentos de gesso...Um gesso que se quebra ao mais brusco sentimento do nunca mais. Uma madeira qualquer, devorada pelos cupins de um amor não amado. Papéis brancos, levemente rascunhados, esquecidos, traçados por um bicho tão tragicamente natural quanto traças. Cacos, assim, de vidro, de acrílico, que não sangram. Pior. Aglomeram-se. Cacos, devassos, mais.

AUTOS


I
Ah...
vou.
Hoje morrerei de ócio,
e viver como ontem não viveria.
Ver fantasmas cavalgarem pensamentos,
equilibristas,
no alto...
não.
Já não me importo...
Revolução nos equinócios.
Padecer de todos,
todos os capadócios...
não,
não,
jamais será.
Em todas as fontes respirar
a vontade de negar,
o desafio de não ter
Talvez
mais que isso,
muito mais forte,
mais intenso.
Talvez
não poder

II
Habita todas as minhas sedes,
devora todos os meus desejos,
essa previsão de estrago
sobre tudo que já é especial,
que pode deixar de sê-lo,
sucumbir de um sonho
ver realizar-se.
Só, e muito mais que isso.
Ninguém...
ninguém poderá ser melhor.
Ninguém suportará perder.
Não sou única,
não sou só eu.
Somos dois,
pra sempre,
até que tudo termine.
Mas é mais que isso,
é além.
Ninguém rouba
ou estraga as obras da mente...

III
só nós poderemos
meu amor.
Só nos perderemos de amor.
Mas não agora,
vamos nos atrasar.
Fiquemos aqui,
no conforto de nossas belezas,
pra morrermos,
morrer mais que isso.
Morrer
Além.

FATALIDADES


Alimentava aquele amor, e tratava dele com carinho antes de dormir. Dava-lhe molde, forma, cores...consistência, uma certa perfeição relativa. Proporcionava-lhe momentos de luxúria, carinho, romantismo, e alguma paixão poética, verdade.Nas tardes de tédio em que alimentava o vão amor sentimental, comprovava os talentos gastronômicos a dois, usando de receitas de brigadeiro...alimento para o filme que veriam na divisão de um mesmo edredom.Nos domingos ensolarados, levava o tão grande e incompleto amor á sorveteria, e aos mais inusitados passeios, lugares onde, sempre, boas surpresas aconteciam.Já nos dias de aula, o amor se resumia em vistas ao fim da aula, no almoço que compartilhavam entre conversas ora sérias, doces, leves, amigas, e sempre, inusualmente atiçadoras.Já em encontros noturnos, alguns deles apenas, quando havia um, observavam o céu estrelado, e contemplavam o delicioso silêncio de não precisar dizer nada. A vida real continuava...conhecendo outros prováveis amores, apenas prováveis. Só havia, para ela, um amor o qual quisesse para a vida toda, mas esse, os caminhos tortos do destino cuidaram pra que findasse no baú das lembranças do que só poderia acontecer; mas que, como um caco de vidro que desvia a luz do sol, as pedras do caminho acabaram por desviar as pegadas do desejo. Tanto, mas tanto, que jamais permitira que, somente um desejo, carnal, destruísse o eterno, verdadeiro, e tão grande amor (ainda que duramente platônico). Possibilidades que mórbidas máscaras em dias de festa a fantasia dos sentimentos trataram de assustar e tanto magoar quem verdadeiramente lhe quis, e, lhes deixando apenas no baú das possibilidades ignoradas, ela ia seguindo seu trajeto.Afinal, a única possibilidade era realmente única, no entanto, aparente, e evidentemente impossível, pois os tratos do destino amarguradamente teimaram com o "im".

OS SEM FIM




I
O acaso supriu a sedução
e matou o desejo
com o mais puro ardor.
Mentiu pra verdade,
e mostrou a face do pudor.
Provocou,
enlouqueceu...
enganou o amor
com as caras da atração
e por ali parou.
Traiu,
amou,
voltou.
Quis o seco do beijo
e o suado da dor...
envenenou o perfume,
e a realidade trouxe
vontade inesquecível
Egoísta, procurou.
Afável,
dizia ele,
deixou-o.
E o que chamava de amor
os homens,
não podia ela tê-lo.
Quis querer,
evitar suas caras
e palavras fáceis.
Jogou,
sorriu.
Seria o fim
de todo um enredo sem glória,
sem continuação...
sem monotonias hostis.
Findou todo o ruim,
findou sagaz.
E ruiu o tradicional.
Simplesmente
acabou.
Ousou,
fugiu.
Lembrou do começo,
do meio,
mas não podia ter no fim
o que os olhos surdos apontaram.
Foi uma grande besteira,
do início ao infinito,


II
pensava o tempo todo.
Foi uma grande loucura,
do infinito ao infinito.
Revelavam tudo o tempo todo.
Choravam tudo todo o tempo,
e era sempre no mesmo lugar.
Inconseqüentes,
amantes...
mas não,
não traidores.
Ele pediu,
ela aceitou.
Ele enganou, ela odiou,
pediu de volta.
Ele recusou.
Ela pediu,
ela aceitou.
O que ele pediu,
ela aceitou.
Ele - outro,
pediu,
ela recusou.
Ele perguntou, ela admitiu,
ele negou.
Ele perguntou,
ele respondeu.
Ele chorou.
Ele voltou, ela recusou.
Foram os três serem felizes,
ele arruinou,
infeliz e nobre.

PAUSA


Essa é a grande cruz que carregamos na vida: você nasce, e acha que ser 'grande' é o barato da humanidade, então você aprende a beber, a dançar, beijar...Ainda sente falta de alguma coisa. Está prestes a dar um destino à sua vida, e percebe que está com medo do tempo, pois ele está passando muito rápido, como sempre disseram que passaria. Ainda assim, você quer estar na faculdade, pois acredita que lá é bem melhor. Mas nunca é. Bem, é tão melhor quanto você achava que seria seus 11 anos quando se tinha 7, que seriam seus 14 aos 11. O fato é que sempre sentiremos saudades dos 4 quando nossa preocupação mais iminente era que sua irmã rasgasse ou estragasse seus brinquedos, ou que sua mãe fizesse um penteado horrível e lhe obrigasse a mostrá-lo a toda família. Sentiremos saudade de quando só precisávamos arrumar nossos quartos (a arrumação obviamente estava restrita á qualquer coisa bem menos que varrer e tirar pó dos móveis), de quando só precisávamos acordar ás 9 - ou nem isso- pra brincar no parque com alguns amigos. E sim, sentiremos falta dos amigos, pois eles continuarão a existir, mas jamais serão as mesmas pessoas. Saudade de quando fazíamos apresentações nos dias da mãe(fazendo-as chorar), e dos dias felizes em que não nos preocupávamos com que roupa vestir. Onde geralmente éramos verdadeiros, e mesmo depois de uma briga de areia voltávamos a conversar no dia seguinte. Sentiremos saudade até dos penteados das mães, dos uniformes largos e sintéticos, e das lancheiras rosas, verdes ou azuis que adorávamos usar. Sentiremos saudade das tardes que voltávamos do colégio no dia do estudante cheios de doces e chocolates, e nossos pais vinham em busca de nós, do boletim e de nossos inocentes e precários trabalhos escolares, ficando a conversar com as professoras que lhe diziam as verdades- geralmente boas- de nosso comportamento, enquanto brincávamos de pega-pega no pátio e voltávamos pra casa suados e com fome, onde um belo sanduíche e qualquer coisa pra beber nos era preparado com carinho. E, finalmente, sentimos medo, quando percebemos que todas essas coisas não voltarão (a não ser na vida de nossos prováveis filhos - ou não), quando percebemos que o tempo, a partir de agora, vai passar tão depressa quanto este, e que os anos passarão como passavam as horas no jardim de infância em que você não acreditava quando lhe diziam que era hora de ir embora. Sentimos medo, porque ninguém sabe nos responder como tudo vai ser e se estamos fazendo tudo certo, sentimos medo porque percebemos que logo nossas vidas vão depender apenas de nós mesmos, e que em breve, sua mãe não estará por perto para lhe dizer quem parece ser verdadeiro ou não, com quem você deve tomar cuidado, ou lhe ouvir quando você precisa lhe falar de uma velha amiga que parece distante. Você sente medo, porque não sabe como tudo termina, e não sabe se vai terminar como se quer. Será este um preço que pagamos por não valorizar as pequenas coisas? A maçã que minha mãe dava-me antes de ir pra "escolinha" era aceita, mas não era adorada como é hoje, porque agora é só saudade. Não sei do que vou me arrepender de não ter percebido o valor hoje, mas espero ser algo bem menor que uma maçã simplesmente aceita.

PARA ALGUÉM


Isso mesmo...Pode parecer surpreendente, mas não é. Simplesmente aceite...Ninguém te quer. Ninguém pensa em você antes de dormir. Ninguém lembra quando ouve uma música ou lê um poema. Ninguém tentaria ser o melhor. Ninguém se esforçaria pra te fazer cada dia mais feliz. Ora, reaja! Ninguém te prepararia café na cama se você estivesse indisposto! Ninguém riria das suas piadas quando elas não tivessem graça, porque a graça estaria no fato de você ter tido coragem de contá-las, e contá-las daquele jeito todo desengonçado que...Ninguém conhece. Ninguém te abraçaria se você sentisse medo ou tristeza. Ninguém te seria fiel e confiável se você quisesse. Ninguém faria de tudo pra ficar com você. Ninguém prepara mentalmente discursos inteiros pra saber o que passa na sua cabeça. Ninguém passa horas tentando, frustradamente, descobrir seus pensamentos mais íntimos. Ninguém fica morrendo de vontade de te dar um beijo, de fazer um cafuné. Ninguém gosta muito de você. Ninguém te acha especial. Ninguém quer te dizer o que sente. Se ninguém se envolve, se nada acontece, é porque Alguém tem medo de se envolver, Ninguém acredita...E só desacredita se Alguém negar, provar que não. Porque, Alguém exita, se culpa talvez, e joga essa culpa no próprio medo de errar, pior: se desculpa na desculpa de que se não se envolve, não é pra não se machucar, mas é pra não machucar Ninguém. Ninguém não quer isso. Ninguém acredita que se sair ferida é o risco que ela corre pra poder ficar com Alguém então ela quer se arriscar. Ninguém considera inaceitável o fato de Alguém se achar no direito de temer por ela. Ninguém queria saber, sem disfarces, sem mentiras, nem jogos baratos de sedução. Queria saber se o verdadeiro medo de Alguém é realmente por não querer machucar Ninguém, ou se é simplesmente um medo seu, só seu, de se envolver. Ninguém queria saber se Alguém sabe desses tórridos sentimentos que a Ninguém atormentam, e se Alguém é tão atormentado como ninguém, ou daquele jeito que só Alguém tem. Talvez, Ninguém nunca saiba...E Alguém passe a ser ninguém se não souber valorizar alguém que, infelizmente, pode até mesmo não ser Ninguém. Ninguém se conforma...Ninguém mesmo.

LETÁRGICO


Como se a música suave e docemente tranqüilizante não combinasse com as buzinas agitadas e irritadas - oriundas do caótico congestionamento daquele dia chuvoso – sorriu-se. Sorriu para dentro, para sua própria alma e estado de espírito. Estava ansiosamente inquieta. Tal que não podia segurar tanto dentro de seu próprio peito, como se nele - talvez um pouco mais abaixo - houvesse mariposas tão irrequietas quanto ela provocando uma buliçosa e adorável sensação nas paredes de seus intestinos. Absorta em seus rudes, e ainda assim, dóceis pensamentos sobre como seria dali há uma semana (um pouco mais, na verdade) não parava de se esforçar para controlar suas quase infantis expectativas. (...)
Sabia que algo muito ruidoso estava por vir, isso lhe causava uma sensação estranhamente estrepitosa de alegria eufórica. E tentava evitar tantos pensamentos retornando a sua leitura. Bobagem, a garota do livro também parecia querer persuadi-la sobre o fato de não ter como lutar nesses casos. Há apenas como se conformar, e isso ela já sabia como fazer: vinha fazendo-o há meses, desde que entendeu seus próprios sentimentos, que antes expurgava com tanta fúria e repudio (...)
Era branco, corpo pouco rijo. Sua mão nem mesmo era das mais bonitas e másculas. Aliás, seu jeito todo não era o de um homem feito. Era o de um menino. Alguém cujas necessidades de homem adulto não haviam ainda aprendido a lidas com as antigas, de garoto. E não sabia bem afirmar com certeza ser esse, também, o motivo de sua vil fascinação. (...)
Sentia a ferocidade brutal do buraco, uma peça rebelde, que escapou do jogo; e ela realmente acreditava ser ele essa peça, ou porque era, ou porque era assim que devia ser.

RUDE EM V


Deixa eu te falar desse meu amigo. Ele tinha esse mesmo rosto, esse, seu. Um pouco mais novo, nem tão bonito talvez, mas assim se tornava pelo seu encantamento, seu jeito, sua forma de sorrir; um sorriso doce, jovem, sincero. Aquele sorriso todo aberto ao qual impunha impossível resistência. Tinha a simplicidade de quem não espera nada da vida, mas sempre superava esperanças dando o seu melhor. Tinha outra coisa linda na sua forma de ser: queria, sempre, parecer forte pra confortar quem, mais que ele, precisasse de consolo. Ta certo...Quem sou pra dizer qualquer coisa de alguém não é?! Você deve estar se perguntando. É verdade, não sou nada, nenhum direito me pertence, mesmo que, na minha concepção, tenha havido profundo laço de amizade com a pessoa a qual viso, de certa forma, condenar. Mas, bom, somos fracos, fracos o bastante para nos decepcionar. Raramente temos a visão cética sobre o mundo, que oprime toda e qualquer forma de esperança, fazendo-nos esperar o pior de tudo. Desculpe-me, portanto, a fraqueza; mas, já que com ela comecei, com ela prossigo, só para lhe dizer, lhe questionar, se é esse o caminho. Fale-me agora, onde está meu amigo? O que com ele fizeste? Onde o jogaste? Na vala das almas puras? Ou ainda tenta, vez ou outra, fazer essa mesma alma vigorar nesse alguém frívolo que te tornaste? Porque, deixa eu te dizer, procurei por velhas amizades n'outros corpos, poucas encontrei. Então...Vê aqueles que chama amigo com os olhos daquele que conheci, lembra da tua candura? Seriam eles amigos seus se tu nada tivesse? Se nada soubesse? Estariam do teu lado se miserável e infeliz fosse? Pensa, e procura essas respostas com tua alma, aquela que, cruelmente, puseste de reserva. Descobre se a ti ou à ilusão pertence tal tão triste caminho, e, se por ele fores, te prepara pros pedregulhos que te farão tropeçar, para as pedras lisas em cujas irás escorregar. Prepara-te para trajetos ainda mais erráticos que te farão, aos poucos, ficar preso em emaranhados de um labirinto sem fim, fazendo-o sentir perdido. Trajetos que vão te enganando ao parecerem mais curtos ou fáceis, te levando ao cerne da perdição. Cuidado também com informações erradas, que farão acreditar em falsos amigos, cuidado com atitudes desesperadas, gestos desacertados. Cuidado, caso esse caminho trilhares, porque será um outro V, nem esse, nem de vingança. Será um V de vazio. Um vazio tão profundo, onde, sem querer vais te aninhar, até não ver mais nada além da escuridão. Foge, foge enquanto é tempo. Procura as cores de verdade, não as dos comerciais de televisão. Procura a cor dos períodos primaveris, dos jardins, dos amores e reais amizades. Pois lá te espera teu verdadeiro eu, aquele que abandonaste em momentos hostis, mas que, com força, retornaste a buscar, para findar com ele - sua única verdade, aquele em cujas versões você deve crer - um caminho que chamam vida.

PÂNDEGO


De propósito fazia.
sabia,
sabia...
De imediato olhava
parava,
sumia.
De longe queria,
rapidamente queria,
esquecia
rapidamente esquecia.
E pedia,
pedia,
pra incomodar pedia.
E tirava,
tirava pra mostrar que sabia
E depois sorria,
sorria pro que bebia
pra bebida que já não tinha.
Bebeu,
bebia,
bebera toda a bebida
E gritava
e falava,
sem sentido expressava.
E embravecia-se
ao notar que não afetava
Era mentira,
mas fingia,
fingia.
Tonto, acreditava.
E não sabia por que
lá não estava.
E da falta de TV
reclamava,
e da falta de amor
atrapalhava
E bebia,
bebia
E dormiu,
e não viu.
E sumiu.
De covarde
fugiu.

APELO AO BOM


E o bom do metrô
era esse
ele sempre voltava
sorria sempre.
O boom do metrô
era o bom,
o bom
que instigava,
o bom
que criava,
o bom despertava
as mais frívolas lições de amor.
E o bom não negava:
sabia ser bom,
e o bom esfregava
sua falta de bondade,
a maldade
se esfregava no bom,
E o bom era mal.
E sorria sacana,
e pedia pidão,
e conseguia,
e não usava jargão.
E era só seu,
não queria ser de mais ninguém,
e não era
E amava a praia,
e as coisas vazias
E amava o amor,
todo mundo amava.
Amavam o bom.
E...
Bom,
um dia, chorou
chorou de amor,
do amor que não tinha
Do amor primeiro
e verdadeiro
que sentia
E negaram-lhe
o bom do amor.
E Bom ficou mau,
mal de amor.
E,
Bom, pedia,
Bom implorava,
provava,
de tudo fazia
E o amor lhe negava,
negava-lhe a sorte
de entregar-se de amor.
E Bom só chorava.
E...bom,
se jogou da mais alta janela,
e Bom se cortava,
e foi bom para ele
nem mesmo morrer,
sentir o malvado do amor
corroer-lhe as entranhas.
Foi bom para Bom a paraplegia
e as cicatrizes,
porque Bom aprendeu
que melhor
e mais forte que ele
era um amor não recíproco,
o único que realmente amara.
E quando o amor soube
que Bom já não tinha ninguém,
e que ninguém mais enxergava
o bom de Bom,
procurou-lhe para contar
que agora o amaria,
e Bom ficou bom,
bom de amor.

MORTAIS (BANAIS) BATIDAS


E partia na despedida
a fatia se ia
e se partia
partindo dali
e sentiu nostalgiae a fatia fingia,
e dava um tchau de sarcasmo
e um suspiro de ironia e quem ficava sentia,
e aspirava a vontade de provar
uma fatia destruída, acabada,
devorada, degustada
e vomitada.e ia,
ia a fatia
sendo comida por outra vadia,e não podia,
portanto, destruir a fatia,
porque a fatia jamais,
não seria sua, nem para ser degustada,
nem para ser vomitada.e vomitou
a partida, a partida de seu coração,
e não sentia a batida,
e morreu, morreu na batida.

QUAISQUER


(...) Envenenou-se então com sua própria dor. Embriagou-se com aquelas coisas todas. O frio, a fome, o seco, e o amargo. Suas verdades não diziam coisa alguma a mais ninguém, ela mesma não se sabia mais. Eram somente restos da indiferença que despontou por detrás dos olhos intangíveis. Olhar naqueles olhos era como se embrenhar pelos lençóis dos mistérios da morte. E não morrer.

PEDAÇO


Cá venhamos, um pouco de cobiça e ambição fazem-se precisos na fuga de hipocrisias cotidianamente metódicas. Os olhares tornam-se secos quando se tornarem dúbios os amores. As verdades tornam-se mitos quando se torna fato as mentiras...E os desejos? Ah! Esses se tornam raros quanto mais se extingui a capacidade de seguir apenas o instinto, dos mais puros aos mais primitivos. A felicidade, no fim, é diferente da luz; transforma-se em inexistente se no inicio é intensa e fácil. As coisas belas são inúteis na inspiração do poeta torto...O que diz o amor perfeito para a tinta que o descreve senão essas coisas todas já cansadas de existir pra quem está cansado de faze-las existir? Ou pior, pra quem já não acredita em sua existência. O que dizem todos as outras? A alegria é comum, já a dor e o sofrimento, são diferentes em cada um. E é o sofrimento que torna tudo mais fascinante, mais...Teatralmente poético. Todos se alegram da mesma maneira: sorrindo. Mas não são todos que choram ao entristecer-se. Aí a beleza do não, do amargo, do nunca, do difícil, do marrom. Eis a beleza do velho, do ontem, do amor não correspondido, das verdades em vão, das paixões esvaídas com fim do verão. Eis o belo do feio, do pecado, do errado. É essa emoção incomparável de errar pra poder acertar e o risco de não conseguir que nos levam, todos, aos que negam ainda, á loucura; que nos leva, todos, aos que fogem ainda, ao êxtase mais deliciosamente profano.
Related Posts with Thumbnails
 

Voltar ao Topo