24 de agosto de 2013

COMO NUNCA

Daí fico eu, aqui lembrando de tudo. Pra quê? Daqueles últimos momentos. Da sua mão na minha coxa. Dos beliscõezinhos curtinhos, doloridos, e cheios de sensações que só você. Dos movimentos rápidos no tecido da minha calça. Como quem não sabe se faz carinho ou rasga. Eu sabia, desde aquele momento: aquelas mãos nunca mais estariam ali, daquele jeito. Por isso fiz questão de gravar cada pedaço. Acariciei cada contorno daquelas mãos que eu quis desde sempre. Observei cada dedo, cada unha, cada milímetro de toda aquela maciez e exclusividade que pertenciam apenas àquele segundo. Brinquei as minhas nas suas, como eu nunca brinquei com mão nenhuma. Porque eu já sabia. E acho que, na verdade, você entendeu também. Acho que, de algum modo, nos comunicamos de maneiras alternativas, como foi desde o início. Fala sério. Eu não queria seu pendrive, suas séries, suas músicas, seus filmes, sua amizade. Eu queria sua companhia. Eu não queria seu silêncio, sua ausência, sua sobremesa. Eu não queria sua carona, sua gentileza, sua educação. Eu quis sua alma, seu conserto, sua volta. Eu batalhei pelo seu barulho. Sua ação. Seu ficar. Seu querer. Seu desequilíbrio. Eu queria mais daquela explicação ausente que você soube não dar. Eu nem queria sua metade. Não queria ser completada. Queria ser explodida. Transbordada. Você nem precisava se envolver. Não precisava se entregar. A única coisa que te pedi, foi o que te dei, por mais difícil que pudesse ser para você, e para mim: a verdade. Custava?! Hm? Ter dito que não tinha, absolutamente, nada a ver? Custava? Não ter feito, dito, e olhado daquele jeito? Onde aquele você foi parar? E então agora só fico me perguntando qual o sentido. O que nós fomos. O que nós poderíamos ter sido se a coisa toda fosse outra. Se eu nunca tivesse te contado. Se você nunca tivesse pedido. Se todo o resto fosse outro resto. Se não fosse resto. Os meus, os seus. Se fosse só inteiro. No fim, talvez, você só teve a força que não tive, certamente vinda desse seu autocontrole absurdo, nojento, ininteligível, abominável que foi exatamente o que tanto me (a)traiu. Só teve a sensatez que eu não tive, para me mostrar o sem-sentido da coisa. Só você poderia ter me dado esse tapa na cara. Mais ninguém. E, ainda assim, me falta um pouco de orgulho, de dignidade, de vergonha na cara; de modo que eu continuo, até mesmo, capaz de admitir: só queria um último dia, uma última chance de mudar tudo de novo. O cenário. E ver em que lugar do palco você se posicionava. Um último momento só para ter certeza que como boa e dedicada articuladora que sou, eu até reescrevi, e que mesmo com todas as condições favoráveis, você foi incapaz de qualquer coisa que eu precisasse mas não soubesse dizer exatamente o quê - ou nem tivesse coragem de admitir. Uma única chance de dizer: Estou aqui, livre, limpa, leve, pronta. Folha. Branca. Só pra ver se você pintava, rasgava, amassava, coloria. Qualquer coisa, menos deixar voar. Mas não estou mais. Não estou mais leve, nem pronta. Não estou mais branca. Estou cheia de rasgos, furos, artes inacabadas, e incompreensíveis até pra mim. Escura de tanto cansar de entender. E já percebo com razoável senso de realidade que você é daquele tipo que vai passando pelo corredor e acendendo todas as luzes, mas só vai, nunca volta pra apagar. Que aperta todas as campainhas, mas nunca está quando finalmente alguém abre a porta. Que você só passa, mas não vem. E que preciso me limpar, me alisar, me guardar, me arrumar antes de qualquer coisa (que é o óbvio que a gente só enxerga depois de ter feito tudo errado). Não por você. Nem por ele. Que preciso fazer isso em nome da minha própria sanidade. Pra nunca mais esperar nada de você, nem de ninguém. Provavelmente, nem de mim mesma. Mas uma coisa você pode ter certeza: eu assumo todas as culpas. Por ser sofrido, por ter doído, e por ter passado, sem ter futuro. Você, eu espero, vai ficar só com a lembrança. Com uma coleção maior de coisas não feitas, não ditas, não desenvolvidas. Com mais calos na alma. Se exibindo por aí como quem se arrasta, mas não admite nunca. E no fim, eu sei, você vai ficar aí, com seu autocontrole, sem perceber nada. E eu aqui, descontrolada como nunca. Como sempre.

10 de agosto de 2013

SUFICIÊNCIAS

Nada me detém no universo infinito de nós dois. Mas já posso ter a clareza necessária de enxergar que somos um misto de perfeitas veias desconexas de suficiências. Você é discreto o suficiente em não perguntar. Eu sou fantasiosa o suficiente para não contar e nem dar deixas da verdade. Você é safado o suficiente para me irritar. E doce o suficiente para me surpreender. Eu sou vaidosa o suficiente para adorar o jogo da conquista, e sagaz o suficiente para participar dele. Você é misterioso o suficiente para me encantar, e sabe suficientemente como e onde colocar as palavras certas para me despertar ternura e tesão. Juntos somos também espertos o suficiente para entender, quase na inconsciência de nossas obsessões tão particulares, porque agora não dá - por uma razão, ou por outra. Suficientemente românticas para, de qualquer jeito, continuar. Suficientemente céticos para não errar. Suficientemente dramáticos para nunca tentar. Eu sou suficientemente covarde para alimentar uma ilusão. E sou triplamente o pior: minto para mim, para você, para ele. Você, por sua vez, é suficientemente homem para tornar isso irrelevante. Eu sou suficientemente egoísta para simplesmente não ligar, enquanto me for conveniente. Você é suficientemente esperto para me deixar curiosa, e eu sou suficientemente curiosa para ficar. Você é suficientemente hábil para tecer teias, e eu suficientemente tola de acreditar que as crio sozinha. Somos suficientemente diferentes, mas iguais. Eu sou uma alternativa suficientemente atraente. Você é uma fuga suficientemente envolvente. Sou suficientemente exploradora de experiências para continuar. Você é suficientemente meticuloso e paciente para dar poucos passos, mas calculados e certeiros.

(Você é suficientemente ferro, eu sou suficientemente brasa. Você espera, eu queimo. Você vem, eu soldo. Você caminha, eu coro. Você observa, calculo, e pulo. Você saboreia, eu, gula. Você muro, eu, sede.)

 E somos suficientemente bons na nossa principal insuficiência de sermos tão insuficientes a ponto de não sermos nada.

PEDACICO

"A verdade, é que você bem sabe...Como todo mundo que já chegou aos 18, posso dizer que até aqui, minha vida inteira ouvi as pessoas me dizendo:
- Você devia ser escritora.
- Você devia ser modelo.
- (...) Jogadora de basquete.
- (...) vôlei
- (...) fotógrafa
- (...) jornalista
- (...) escritora
- (...) psicóloga
- (...) arquiteta
- (...) etc.

E todas essas coisas eram uma possibilidade, de modo que eu nunca soube o que eu realmente deveria ser - nem mesmo consegui definir o que exatamente eu queria ser.

Mas hoje eu sei: algumas coisas simplesmente acontecem. E aconteceu de eu me tornar fugitiva. Toda minha vida, todos os meus esforços, talentos e potenciais futuros se resumiram a isso. Foi assim que tudo começou - porque toda história tem que ter um começo, aquele começo que nunca é nem 10% da coisa toda, mas serve para explicar a merda que está por vir. Mas nem tudo é ruim como gosto de fazer parecer, ás vezes, para ter do que reclamar. Não me lembro da última vez que precisei ser cordial quando não queria. Não preciso mais fingir absolutamente nada, não tenho mais o que perder. As pessoas num geral sempre me cansaram; quem sabe seja essa a profissão perfeita para mim. Vocês podem estar se perguntando o que se faz nessa profissão. Bom, vou lhes dizer que meu trabalho não é muito diferente do de um analista de investimentos, empresário, ou gerente de qualquer bosta: se resume, basicamente, em identificar oportunidades, aplicar técnicas, apurar resultados, prospectar novos clientes, determinar um público-alvo, aplicar golpes no mercado e, claro, sempre que possível, criar demanda e ter uma boa estratégia de marketing, lesando outros e objetivando lucro e interesses pessoais. Então, vocês devem estar se perguntando qual a diferença - o que é engraçado, porque é o que a gente vive se perguntando. No fim, a gente sempre conclui que tudo é uma questão de percepção e significação, e assim conseguimos convivem muito bem com nossa consciência. Também nem vou dizer que somos Robin Woods. Qual é, pessoal, vocês já são bem grandinhos. Algumas pessoas dizem: "Um dia, vocês vão se dar mal.". É verdade. mas quem não se dá, nessa vida louca, não é mesmo?A gente só leva isso a um nível mais extreme. Não temos casa, nem apartamento, nem identidade. O que a gente tem é um monte de números em tantos bancos que nem sei. Porque dinheiro é só isso: papel, e número. E tudo é tão cíclico, que cansa. É claro, a gente não anda mal, pra ser bem sincera, andamos a pé. O resto a gente faz de avião, e trem. Roupa a gente compra por mês, e vai doando. Como você vê, nosso lance é até solidário e desapegado. Todo nosso luxo e conforto é temporário: comemos, vestimos, e viajamos bem. Todos os dias - quando estamos acordados e sãos. Além disso, a gente tem o hábito de se brigar pelo menos três vezes por semana - uma estratégia de conflito. No fim, tudo vai indo."




HAVERÁ AINDA O DIA

fonte: á procura; você sabe?
Incitando dias mortos
nos vivos que virão
Incitando vidas tortas
nos sorrisos que trarão
Colorindo nossos verdes
com flores velhas do verão.
Maldizendo novas formas, 
tudo isso é em vão.

Surgirão em cerebelos, 
fontes novas de razão
Sendo lares, sendo presos, 
sendo bares, sendo pares. 
Chegará um dia bom.
De olho em olho
De mão em mão
Haverá ainda o dia 

Incitando poesia
haverá ainda um dia
Onde até o cego que não via
brilhará nova visão
Haverá ainda o dia
incitando poesia
onde o morto que vivia
vai tentar a contramão

TÓRPIDA


Carne aguda que me gruda.

Loucura cega que me segue

Veneno sóbrio que me vem

Desejo impróprio que me chama

Faculdade mental que me falta.

Se mil montanhas eu corresse
inda assim, faltaria-me
preenchimento certo
desta ausência que me chaga.

Quero todos, tudo.

Egocêntrica, sonho.
Infeliz, assumo:
mais quero, do que posso.

Não me controlo, ou meço: sumo.

Mais quero, do que posso.

PRECISO(S)

fonte: Germinal Rouax
Querendo comer o mundo
como naquela época 
eu me doô, 
me dôo; 
me curo.

Querendo comer o mundo,
transbordo cega, 
nesse caos de líquidos

Minha borda crua inundo
de sabores hediondos

Crime, impulso, humano;
me sujo, de instinto

Da dor abrupta, me salvo, 
do vazio inevitável.

Carnes, plásticos, pêndulos, mais;
nada me detêm.

O vermelho me drena
como de quem corre
escala, cavalga.

O movimento me pede
Se ajoelha sobre meu cerne
e me implora

Ele me pulsa, 
me joga, me suga
me atira.

O veneno me atrai
me segue
me vence.

Em uma unidade de tempo
que não cabe nos meus espaços

Diminuo e cresço, 
subo e desço
Incho, murcho.

Inferno, céu.

Preciso.

Movimentos.

Precisos.



DIVAGAÇÕES

Sê dono dos teus olhos; a visão dos outros está sempre poluída pela sua própria escuridão, e nunca virá pura ás tuas retinas. Sê dono dos teus olhos, para não deturpar os passos de outrem. E lembre, sempre, podes amar o quanto quiseres, sem esqueceres das palavras de um jovem rapaz: maldito homem aquele que em outros confia.

Pulemos esses discursos fastidiosos, pungentes, proeminentes e vagos. Pulemos as divagações, que estas já faço muito bem e demais - sozinha, que é como prefiro tecê-las. Vamos para a parte efetiva e que ainda pode ser interessante para mim: Que merda é essa que você tá fazendo?

Digo no papel e digo muito, pra não dizer na cara, porque na cara sei que vai sair voz, grito, choro, e cuspe - esses pequenos resquícios da raiva, da frustração e da mágoa que sempre vêm da dolorosa e pungente consciência de que nada se pode fazer.

Já aconteceu com você? Ter um sonho tão marcante, tão interessante sob vários aspectos, que se torna impossível evitar a obsessão subsequente em, de algum modo, torná-lo real?

Colocam tudo que você é numa caixinha. Finalmente eu entendo porque é que eu via tristeza por trás do rosto satisfeito das bonecas russas. Você é grande. Você sabe que é. Mas, de repente, vão te tirando todo o resto, até chegarem no que existe de menor, de menos, e de pior em você. E te resumem áquilo que, na verdade, é um pedaço mínimo e insuportável - até pra você. Algo que você odeia - tanto, que esconde o mais fundo que der. mas escolhem isso, justamente isso, para te explicar.

Nesse caso, você tem três opções:
1. Ele reconhece que você é uma mulher incomum e qualquer passo em falso aniquilaria oportunidades.
2. Ele é um homem incomum.
3. Ele é um homem tão incomum que nem gosta de mulheres.



Sê, tu mesmo
teus próprios olhos
Pois, do contrário, te enganas
e ficas cego, sem perceber

Sê, tu mesmo,
tuas próprias pernas.
Andando c'as de outrem
podes parar e crer prosseguir

Sê, tu mesmo, teu coração.
Se deixas bater outro em teu peito
Perdes o alimento
do que te mantém

Sê, tu mesmo, tua voz
Se confias na fala vizinha
Falas o que não falaste
Entendes o que não entendes


POEMA SEM TÍTULO

(...) Pessoas que despertam
coisas urgentes em nós.
Urgências tão famintas
que se perdem
no minuto da presença
(...)

QUEM FICA



Mesmo de tanto querer eu sofria
Mesmo com tanto você eu vivia

Nunca existiu entre nós tanta coragem
pra calar o que não valia (havia)

E com tantas paredes vazias
você escolheu a pior fantasia

E no meio de tantos espaços
você assumiu uma ponte partida

Pra tanto tempo perdido
você decidiu perder mais ainda

E de todas as suas escolhas
é a minha a mais doentia

Porque são tantos os seus absurdos
que surpreende bem mais é quem fica



FOI PARTIR

Fonte: Germinal Roaux
Você disse que nunca seria
prometeu nunca mais me ligar

Você disse milhares de coisas
que nunca viria a calhar

E embora eu lembrasse
e tivesse certeza

lá estava você
para me assombrar

Nos meus sonhos eu não te incluía
pesadelos é melhor nem contar

Você disse tanto que eu tanto queria
que não tivesse existido tamanho querer

E de tanto querer não querer
só me esqueci de não te esquecer

E quando te vi, preferi não te ver
Quando te amei preferi não contar

Quando entendi procurei disfarçar
Quando temi procurei não tremer

Quando esqueci preferi não sorrir
Quando menti procurei não enganar

E de todas as escolhas erradas que fiz
o que pior escolhi foi partir

"YOU AND ME. OK?"

Fonte: na imagem

I
De tão gastos teus sapatos já não pisam
mas mastigam o meu chão

De tão parcos os teus passos não exploram
mas ferem o meu som

De tão surdos os teus lábios já não beijam
mas toleram meu delírio

De tão farto o teu pão já não peca,
já não mata, só engana

De tão sempre teu cansaço não sugere,
não alenta, só me segue

De tão pouco teu suor não me alucina,
só me sente, some em pele

De tão santo o teu peito já não chama
já não queima, já não febre

II
De tão muito tua mão inda me inflama
teu amor inda me aquece, teu afeto inda me sobra

De tão sempre é teu circo que me entrete,
é teu olho que me chama, é o tudo que insana

De tão sim é tua música que conforta,
é teu silêncio inda aquele me entorta

De tão largo, no teu peito, cabe tudo
E eu juro, juro. Torno meu o nosso mundo

(Tem tanta coisa sua que não me esqueço,
que até me perco)


NERO

fonte: Germinal Roaux

Você me incendeia e eu não sei o que faço
com essas cinzas do depois inacabado
ou pior, do quase

Você me avisa, me alerta:
você é um erro. E ainda assim,
imploro

E sem pugilista, ou conhecimento de causa
me nocauteio com a única fala
que ainda pode ter algum sentido:

O que fazer de mim,
quando não me sobrar
mais nada de você?

E esse frisson que você me causa
mas me nega
não é senão exceção

Um pedaço rebelde do tudo que me foge,
de todos os retrocessos
propostos pelos seus nãos que me acusam

Que embora eu, tão subliminar, entendo.
mas prefiro descartar
junto com minha falta de verdades

E sem pugilista, ou conhecimento de causa
me nocauteio com a única fala
que ainda pode ter algum sentido:

O que fazer de mim,
quando não me sobrar
mais nada de você?

AQUELA COISA


imagem: Zaichilla
E então, o que acontece sempre é aquela coisa meio sádica e meio louca, quase inocente, que é toda juventude - não importa se já velha:

- Gosto de você assim.
- Como?
- Abusado. Atrevido.
- Por causa de uma coisinha de nada?
- Por causa de uma coisinha de nada.
(Silêncio)
- Porque não preciso de muita coisa pra gostar de você. (Silêncio). Mas eu sempre soube que, lá no fundo, mesmo pedindo, você jamais seria capaz de lidar com minhas vaidades todas. Eu gosto do perigo, do risco, do erro.
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