22 de abril de 2009

PARA UM DIA


(sobre ela)

Caros amigos, parentes, ou colegas apenas. Deixo-lhes, primeiramente, minhas mais sinceras desculpas pelo egoísmo que acomete-me na decisão de tal ato. Entretanto, pulemos inutilezas (que de nada adiantarão às vossas raivas e frustrações, ou inconformidades).
Digo-lhes, então. Deixo em terra o que em vida me serviu como a mais leal atividade de consolo - em entendimento - , e meu pior vício: minhas letras, as mais fiéis possíveis , distribuídas entre pensamentos desvirtuosos, memórias lúgubres vividas (algumas) por mim, outras somente por meu alter-ego (este velho safado). Poemas a La Bandeira, minhas revoltas por injustiças, e minhas – muitas vezes – injustas verdades. Minhas incertezas deixo nos escritos marginais talvez (junto com minha vergonhosa fraqueza em nada ter conseguido fazer para mudar minhas rebeldias). Minha máscara de insensível deve estar por ali também, caída logo ao lado do romantismo escancarado de certos textos. Deixo, portanto, mais que um pedaço de mim, mas todos os meus eus. Digo-lhes ainda que não parti do mundo em que pareci ter compartilhado convosco, pois nunca me senti parte dele. Fui sempre uma forasteira lançada nesse terreno, mas que nada sabe sobre sua origem ou natureza. Nada havia mais que me segurasse aqui: aqueles de quem precisei da mais absoluta compreensão não conseguiram me decifrar, aqueles que me foram inesquecíveis, esqueceram a que vim. Alguns que receberam minha dedicação, não souberam percebê-la, tornando-a descartável. Outros, a quem de alguma maneira entreguei-me, de alguma maneira rejeitaram-me. Estes poucos que me restaram, que brandamente ousaram me entender nada podiam fazer para minha locação nesse estranho lugar. Talvez tive todas as coisas boas, em pessoas erradas. Uma leve incoerência que me fez querer saber de onde sou, pra poder me entender. Mas não posso mentir-lhes: fui feliz o tempo todo pelo simples fato de valorizar pequenas dosagens, essas pequenas coisas belas – momentos, palavras – que tive olhos para notá-las como instrumento da mais intensa felicidade. Um pôr-do-sol, um sorriso de longe, uma conversa construtiva. Mas meu problema é a ambição; eu quis saber do desconhecido. Também não nego que poderia ter ficado mais, lido mais Nietzsche, Rimbaud e Kafka. Ter feito teatro, cinema, surfe, psicologia e amor. Poderia ter vivido mais para ter uma casa na beira do mar e morrer até os 80 anos de uma maneira que parecesse poética – isso incluiria jogar minhas cinzas no mar, através de um barquinho de madeira com lindos ramos florais. Poderia ter vivido mais pra rir da minha certeza de solidão depois de ter encontrado um eterno e leal companheiro. Poderia ter ficado mais, ter sido uma célebre embaixatriz, modelo ou jornalista. Mas não sou tão forte pra acreditar que eu me encontraria nessas maneiras práticas. Afinal, prático é o caminho dos óbvios. A vida é feita de escolhas, eu escolhi mudar a minha indo para o que muitos chamam de morte. Eu chamo de descoberta.

2 comentários:

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