4 de novembro de 2010

AMORÉTICOS

I
- Ele era um baita sacana.
- Não acho. Quer dizer, será que ele não quis em alguns momentos imitar Werther? Será que as aspirações e os traços do personagem não seriam os dele mesmo a cuja totalidade só faltou o ato final?
- E se fosse? Ele seria menos tolo?
- Aí é que está, não o acho tolo. Eu fico pensando...Ele se matou por amor. Quantas
pessoas já se mataram por amor?
- Amor?
- Amor.
- Por quem?

Enquanto o silêncio tomava conta dos minutos ela pensava de deveria perguntar. Mas como sempre já falava antes que acabasse o pensamento.

- Você se mataria por amor? Amor por uma pessoa especial.
- Se eu encontrasse uma pessoa especial, eu viveria por ela.
- Mesmo que ela te negasse?
- Se ela me negasse, eu viveria ainda mais, primeiro tentar provar a ela seu erro, segundo para dar a ela a chance de acertar. Afinal, não é amor?
- Mesmo que a dor fosse maior?
- Dor? Dor passa. Você acha mesmo que isso acontece por dor?
- Por excesso de amor, acredito.
- Foi. Foi pelo excesso de amor próprio. Ele não suportaria viver com o fato de que foi negado e fracassou, nem com o fato de que a pessoa que o negou poderia um dia ser feliz com alguém que a merecesse: para puni-la, ele se mata. Não vê a carta que deixa para Carlota? Entregando a ela uma culpa que não lhe pertence como que chester na bandeja? "Veja Carlota, que não tremo ao pegar a fria e terrível taça por onde quero beber a embriaguez da morte! É você quem ma apresenta e eu não hesito um só momento.". Ah! Por favor!
- Tudo bem, ele pode ter colocado uma certa tragicidade, mas isso diminui seu sofrimento?
- Não existe sofrimento, é egoísmo. E não é só ele. Lembra de Os trabalhadores do Mar?
- Ah qual é? A questão foi muito mais madura e não da pra comparar com Werther! O Gilliatt não podia se casar com a Dèruchette, mesmo depois de toda a loucura no mar que fez por ela. Ele não tinha opção!
- Claro que tinha. Regressar e se manter firme. Mas não podia fazê-lo punindo-a ao mesmo tempo.
- Ele não queria encontrá-la, não queria ver mais ninguém. Imagina passar a ver a Dèruchette toda bela e formasa com seu Ebenzer?
- Eu já vi muitas das Dèruchettes que encontrei pelo caminho com seus Ebenzer, e nem por isso me enfiei dentro de um mar gelado para me afogar.
- Ás vezes não sei como funciona tua forma de amar.
- Amofórmica.
- Mas limitada pois você é capaz de esquecê-la ao lidar bem demais com a possibilidade de um outro fazê-la tão feliz quanto um dia você desejou.
- Não. Meu amor não teria limites, nem acabaria. Viveria lá, como uma lâmpada fraca, esperando estímulos para acender novamente. - E percebendo que talvez estivesse sendo ferrenho, pensou no que dizer para não assustá-la: Afinal, qual é a medida exata de amar? Talvez eu ame demais.
- Ou de menos.
- Talvez você não saiba.
II
- Então vamos lá. Qual foi a última vez que você amou e foi negado?
- Foi na última vez que amei.
- Foi a primeira?
- Não.
- Será a ultima?
- Provavelmente não.
- E por que você tem tanta certeza?
- Porque eu disse que seria a última em todas as vezes anteriores.

Não havia mais volta, agora ela sabia.

- Afinal, o que você é?
- Um fracassado, ou um grande iludido. Qual você prefere?
- Bom...Eu fico pensando o que você quer.
- O que eu quero?
- Suas intenções são intangenciais.
- Mas por que eu tenho que querer alguma coisa, por que eu tenho que ter intenções?
- Todo mundo tem intenções.
- Sabe, pensando bem é verdade. Mas, quais são as suas então?
- Ainda me lembro de ter perguntado primeiro.
- Verdade. Mas imagino que você saiba melhor das suas intenções que eu das minhas.
- Que fértil imaginação.
- É mais uma questão de sensibilidade.
- Então, porque não usa sua sensibilidade para descobrir por si só, já que ela é tão boa, não deveria te ser necessário me questionar.
- Já usei. Mas fiquei achando que meu senso de vontade foi mais que meu senso de razão, afinal as perspectivas foram muito otimistas para mim.
- Vamos lá então, me fale do que sua sensibilidade viu sobre minhas intenções.
- Bom, ela me disse que você quer muito uma coisa, mas existem dois obstáculos. Se não houvesse o primeiro e você estivesse livre para conquistar aquilo que quer - e tenha certeza que conseguiria - então você desejaria que essa coisa te quisesse também. Porém, mesmo se essa coisa afirmasse reciprocidade, você a negaria; eis o segundo obstáculo. Mulheres!
- Você perdeu...10 pontos. Falta de objetividade.
- Ah! Então era um jogo? Droga. Eu sempre me esqueço que estou num jogo, na verdade, nunca sei que é até que eu perca.
- Deixe de ser tolo. Foi um metaforismo.
- Então me permita uma analogia também.
- "À lá vonté Siñore."
- Estou em frente a duas portas. Mas não posso ver se elas pertencem ao mesmo armário. Uma tem flores e uma fechadura com uma chave e parece me chamar para entrar, mas quando eu tento abrir, não consigo. Outra está encapada e fico na dúvida sobre o que ela esconde e como esconde tão bem se não usa chave nem fechadura.
- E?
- A primeira eu já estou tentando abrir, mas talvez eu não seja a pessoa certa para saber usar a chave sendo que isso não me impede de tentar pois como ser humano é natural eu deter também de certa curiosidade. A segunda eu simplesmente paro, e fico olhando, tentando descobrir por análise, porque não tenho outra opção senão contemplá-la.
III
- Eu não gosto de analogias.
- Mas eu não te dei essa opção. Você perdeu...10 pontos.
- Posso saber por que?
- Crueldade.
- Crueldade?
- Você sabe do que estou falando, mas continua agindo como uma porta obscura.
- Não. É que eu sei que não importa se eu me mostre e te deixe me entender, você vai continuar tentando abrir a primeira porta, porque você não gosta de portas abertas. No entanto, como amiga, gostaria de lhe dizer que é uma pena: essa porta que você tenta abrir, não gosta de caras que insistam tanto em tentar.
- Você está negando uma coisa que quer, isso é fato. Só não sei se é por medo de ser deixada, ou por medo de deixar o que tem e perceber que era simples impulso.
- Você deveria usar essa certeza para abrir a porta que tanto quer. Não é a minha, eu e você sabemos disso.
- Eu e você não sabemos de nada.
- Você parecia saber bastante há minutos atrás.
- Quem sabe?

2 comentários:

  1. haha, que graça de texto.
    concordo com a menina do texto, Werther foi um covarde, e mais ainda por tentar provar que se matar por amor não era covardia.
    o outro livro não li.

    mas o texto é realmente belo. :D
    sucesso
    beijos

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  2. Adoro diálogos! E esse do texto, de opiniões contrárias, adversas, nos faz refletir, aqui do outro lado do computador, em outra cidade, o que é então o amor, o quanto vale a pena cair dentro desse sentimento tão forte e genuíno que nos cega, e faz bobos, felizes? Acho que concordo com a menina, que pode ser tu, ou a tua amiga, de que é por um grande amor que se vive, e não se mata.
    Um beijo!

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