27 de maio de 2015

CARTA OFICIAL DE AGRADECIMENTOS


Naquele dia uma inevitável tristeza tomara conta de mim. Retomando os passos da noite anterior eu me perdia entre pensamentos que iam de perguntas sobre qual passo eu havia dado fora da dança, em que pedra tropecei para o maior desastre clássico das seduções mal executadas: a culpa. 

Me corroía de culpa, raiva e incompreensão. Dividida entre a raiva de mim mesma por erros desconhecidos e o profundo e injustificado ódio por aquele homem que com respeito, honra e dignidade me rejeitara subjetivamente. Repetia sistemática e, com certeza, obsessivamente os contrastes de cenas peculiares do momento desastroso em que me vi sozinha avistando aquele desesperado ser humano correr sem sentido aquele quase enorme trecho chuvoso. 


De repente voltava novamente ás inocentes e envolventes armações flertadas que protagonizávamos sem querer e me via no mesmo segundo sentada no carro, chorando, ouvindo um jazz triste e mandando deprimentes mensagens para uma pessoa que eu ainda não tivera a sorte de conhecer, mas sobre cujo caminho, cruzado com o meu, eu julgava azar. 


Meu mundo ruía devagar naquela madrugada infame e minha alma navegava no poço mais profundo da frustração dos amores tão verdadeiros quanto impossíveis. Finalmente eu compreendia o que significava sofrer por uma interminável vontade de algo inalcançável. Finalmente eu sabia o que era apostar todas as fichas num jogo limpo e perder. Finalmente eu chegava ao limiar tênue entre a obstinação por algo e o total abandono do orgulho. Se eu não ganhava num jogo limpo e perdera todas as fichas, o que mais, se não minha dignidade eu poderia perder? Resignada admiti que, pela primeira vez, eu aceitaria a caça daquela carne a qual eu precisava degustar...mesmo que isso significasse a morte lenta do envenenamento. 


Assim, agressiva, investi fichas roubadas da minha falta de orgulho e insisti no contato. Era fato que eu eu nunca havia aprendido a lidar com minhas frustrações e eu sempre optava por um extremo desgastante e autoflagelante. Mas pela primeira vez, ao menos uma em toda a vida, senti o que era ser vitoriosa. Consegui. 


Mas o que eu havia conseguido? Um encontro? Não...parecia uma reunião. Ele revelaria algo sórdido? Seria ele um louco e discreto representante da mais decadente carência? De repente...me perdi de novo na interpretação do que ele era e o que queria. Chovia. E arrastada no vidro do carro eu chorava já sem saber o que era lágrima e o que era chuva, sem saber como eu ainda estava viva se parecia que minha respiração tinha parado desde o momento em que ele pediu para me ver e explicar. 


Jamais teria aceitado tão abertamente o risco de seguidas rejeições. Mas a euforia causada era tamanha e me preenchia toda e tanto que não havia espaço para razão. Não havia opções. Havia um único caminho: aquele que mais se (me) aproximava dele. 


Não pudemos conversar muito, e se tivéssemos podido talvez tivesse sido um desastre. Lembro das risadas. Do cuidado e discrição, do completo constrangimento á completa falsa segurança. Mas lembro muito mais do ponto chave, do ponto de colisão entre as verdades que eu desconhecia e o mundo maravilhoso que me aguardava. 


Não. Não houve mistério nem brilhantismo. Houve o medo, o constrangimento, a vergonha, a insegurança. Houve a completa falta de sentido nas palavras e conversas amontoadas que visavam preencher o silêncio e aquela absurda paralisação em dois seres humanos que voltavam a ser adolescentes receosos. Houve você, e seus surpreendentes dedos, de repente, mexendo junto comigo nos meus cabelos enquanto eu tecia as palavras com a mesma ansiedade com que alisava os fios castanhos, numa tentativa inútil de maquiar meus acelerados pensamentos. 


Lembro do meu rosto. Se aproximando cada vez mais da sua mão, descompassando o ritmo das palavras para finalmente encaramos o abismo. Houve aquele beijo. Aquela cena única em que, mesmo querendo odiar sua repentina rapidez, intensidade e aparente falta de prática, parar era carta fora do jogo. Lembro de tudo e de mais. Lembro do que não se pode medir ou explicar. Lembro dos parenteses e cada gesto. 


Lembro, por sinal, de cada detalhe daquele dia que transformou significativamente minha vida. Não porque eu havia encontrado o amor, porque era cedo ainda. Não porque tive o melhor beijo da minha vida...porque existem muitos melhores beijos e isso seria um motivo razoável e compreensível de uma arrebatadora paixão. 


Transformou porque de repente eu descobri que existia no mundo uma maneira completamente irracional de se estar com outra pessoa. Uma maneira que dispensa razões óbvias. Uma maneira que dispensa possibilidades. Uma maneira cujo caminho é um só: seguir. Transformou porque eu descobri o que era querer estar com alguém independente de conhecer quaisquer vantagens que indiretamente eu pudesse receber. Eu não me preocupei sobre quem você era realmente e o que queria de mim. Tudo que eu sabia é que estava disposta a ficar pelo maior tempo que você permitisse, e te entregar tudo que você quisesse, mesmo que isso significasse esvaziar para sempre. 


Transformou porque eu descobri que era perfeitamente possível e razoável estar disposta a estar com alguém sem gastar sequer um segundo pensando no que isso poderia trazer de bom ou ruim, certo ou errado. Transformou porque eu sabia que nada, passado, presente ou futuro abalaria a minha certeza de que eu estava no único caminho que eu poderia estar. Porque eu sabia que se aquele fosse o último beijo, se aquela fosse a última noite, e você nunca mais me procurasse ou respondesse meus prováveis pedantes convites e insinuações, ainda assim...eu jamais me arrependeria. 


Porque naquele momento você estava me dando algo único: a experiencia da sublime sensação de conhecer quão nobre é se entregar sem esperar nada em troca, única e exclusivamente porque ser abandonada depois disso seria infinitamente mais agradável, aceitável e coerente do que nunca ter sabido o que significa entrega, paixão arrebatadora e amor inevitável. 


Transformou porque, embora eu tentasse resistir, já naquele dia, eu não pude deixar de pensar que, sem nenhum medo, eu poderia dedicar minha vida inteira a estar do seu lado - embora eu jamais fosse capaz de te odiar se você optasse por nunca mais me ver. Ainda assim eu lembraria pra sempre de você, daquele dia, daquele beijo e daquela noite como a revelação completa da genuinidade dos sentimentos. 


No entanto, mesmo que tudo indicasse o oposto, e que aparentemente você tivesse mais a perder que ganhar você decidiu se afundar comigo naquela loucura que esse sei lá o quê havia criado para nós, sobre a qual, na ótica da razão, parecia ter potencial para trazer muito mais sofrimento que alegria. Mesmo conhecendo todas as variáveis daquela situação e de todos os riscos daquela operação maluca e missão suicida que executávamos você decidiu não decidir nada. 


E de todas as suas decisões essa é a que eu gosto mais. Imagine então o quão mais fui capaz de te amar depois de descobrir sua competência em ficar? Ali estavam duas pessoas que, aparentemente, pela força das circunstâncias, pela razão e pela lógica não tinham absolutamente nada a ganhar. E ganharam. 

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