22 de abril de 2009

BONANÇA




Seus olhos flutuaram por sobre os dele, ela e seu sorriso largo lhe disseram: por mais que eu saiba, é sempre uma surpresa poder te ver. Ele sorriu jocosamente, um sorriso que homem algum saberia dar, e que ficava quase irresistível com o queixo de branda, mas perceptível, sobreposição. "Bom, talvez eu até possa dizer o mesmo" -- com seu disfarce inconfundível de pretensão que ela bem sabia ser um escudo: ouvir como ele estava se sentindo diante de determinada situação era-lhe sempre um dogma terrível, mas sentia sempre como se fosse um gelo quebrando-se quando conseguia. De feições pequenas, mas expressivas; os olhos instigavam-na quando, principalmente, mostrava ares de cachorro cabisbaixo; o sorriso leve no canto da boca denotava, em vezes que ainda não entendia, uma alegria triste, quase como que tentando disfarçar o sentimento dos olhos. Em seu rosto não havia fortes traços masculinos como havia na maioria daqueles que a encantaram de alguma forma, não; era um rosto simples – podia dizer – arredondado. Mas seu corpo inteiro a atingia de uma maneira brutal, perigosa. Lembrava-se agora, nitidamente, de quando ficava observando-o de trás – o que pareceria incompreensível para boa parte das meninas que não compreendiam o interesse da atitude - gostando da forma como seu pescoço tirava sua aparência de garoto, largo, e curto; da maneira como o contorno dos ombros lhe caía bem e parecia chamá-la para, entre eles, se aninhar. Suas mãos...Ah! Adorava mãos, e as dele eram diferentemente atrativas. Cuidava de sua aparência, notável. Os braços que, embora escondidos por detrás da camiseta, desenhavam seus músculos de ultrajante toque. E até mesmo a cor de sua pele parecia-lhe tentadora; um espécime de leve bronzeado permanente, que lhe oferecia um tom dourado. O cheiro então...Inconfundível. A verdade é que seu todo lhe atraía de maneira abrupta: sua personalidade difícil; seu caráter misterioso -- mas ela sabia, bondoso; seu jeito ora debochado ora carinhoso de falar-lhe; seu leve toque; sua sofisticação; e até sua arrogância tentadora, desafiadora. Lembrava de como tinha sido bom aqueles três dias; do abraço que ganhara antes do beijo (e ficava tonta se tentava descobrir o que fora melhor), do outro beijo de esquina que lhe dera antes do terceiro e último dia juntos -- atrevido, dominador, mas doce. Lembrava-se de como havia ficado espantada quando ele a beijou ali, na frente d’outros. E de como havia ficado ainda mais surpresa quando ele passou a rejeitá-la, a partir do dia seguinte. Já não podia entendê-lo. E aí sentia um profundo desamparo se começava a lembrar de todo o resto. A sensação de que tudo tinha sido uma grande farsa. Ficara então com raiva, raiva por ter sido tão ridiculamente enganada, de ter desejado acreditar que por um instante não o fora. Passou, então, a desejá-lo com força, queria poder abraçá-lo; desejava ardentemente - uma ardência que doía de tão ansiosa - seu abraço protetor e aconchegante que não encontrara em braço algum depois de seus pais. Queria suas mãos tocando-lhe levemente o rosto, seus dedos perpassando cada detalhe da face. Ah! Como queria. Queria seu jeito dócil e ameno de outrora, o jeito que conhecera e que a fizera se embrenhar por sentimentos que tanto renegava. Agora ele estava ali. Sorrindo. Sorrindo apenas para ela; como se, finalmente, por algum momento, pudessem pertencer-se simultaneamente. Jogou a mochila no chão e abraçou-a do jeito como tanto quis. Seu abraço, sempre inesquecível. Seus momentos, sempre tão silenciosos e significativos. Deu a volta, sentou-se ao seu lado como o mais contente dos cansados, olhou firme pelo vidro, como que se perdendo em seus pensamentos (o que a deixou assustada, com medo do que lhe passava), virando em seguida para sorrir, um sorriso dizendo: estou muito feliz de estar com você, prometo que será bom estar comigo também. Movimentos rápidos, manobrou, ligou o som. Ele sabia que ela gostava daquelas músicas: cuidara de tudo com atenção -- refletiu. Foram, absurdamente quietos, simplesmente não precisavam emitir som para entenderem-se -- não sempre. Depois de tanto tempo, igual. Algumas horas depois chegaram, ele tomava banho enquanto ela ajeitava tudo e preparava algo gostoso para comerem: queria que fosse tudo especial. Levava uma lasanha feita em casa que só pedia para ser assada, um vinho que o agradaria. Tomou uma ducha rápida, entremeando-se no vestido de caimento leve e sensual, azul claro, estampado, curto. Esperaria na sacada, olhando a noite. Assim estava, com o vestido esvoaçante, bem como os cabelos; pensava em como se sentia bem, quando um toque afirmou-lhe que ficaria ainda melhor. Um toque quente, em cada ombro. Mãos que deslizaram por seu braço, braços que encontraram seu desfecho na barriga. Pôs-se ao seu lado, ainda enlaçando-a entre o seio e a cintura, falando-lhe num sussurro: acho bom irmos, alguém fez uma lasanha que parece deliciosa; temos a noite toda para observarmos a lua. Ela olhou, como que o questionando divertidamente, mas ao mesmo tempo séria, como que duvidando de verdade: parecia tão bom. Bom demais pra...Bom demais pra durar. Ganhou um novo abraço, tão gostoso quanto os anteriores. E sentiu com certa raiva, lágrimas rolando-lhe pelo rosto; puxado por ele que dizia: ei, ei, desculpa por tudo, vai ser diferente agora, eu prometo. Ela sabia, por isso chorava. Enquanto ele aguardava uma resposta, uma atitude qualquer, impulsivamente ela beijou-o. E foi em sua frente, sem dizer palavra. Ele alcançou-a dando uma corridinha calma, e jogou o braço em seu pescoço. Sorriu para ele, dialética. Ela acordou. Enquanto ele continuava de olhos fechados.

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